Porque é Importante Ler um Contrato Inteiro?

o senhor leu o contrato?

Porque é Importante Ler um Contrato Inteiro?

março 6, 2020

“O senhor leu o contrato?”

 

O objetivo deste breve artigo é instigar a discussão sobre os casos em que pessoas assinam contratos sem, no entanto, lê-los atentamente, causando posterior ingresso em juízo, com intuito de obter reparação de danos morais e materiais, bem como a declaração de nulidade do feito, sob argumento de que o dever de informação pelo requerido não foi exercido, além de outras questões, por achar que foram enganadas pelo vendedor.

Há de se observar ainda, a análise jurídica que realiza o advogado, quando confrontado com esses casos. Porque no final das contas, é dele a decisão de judicializar ou não, a partir das provas que foram colhidas.

Diante deste imbróglio, uma coisa é certa: ler o título do contrato demora menos do que a tramitação de uma ação que não possui o bom direito.

Nada é mais constrangedor do que assistir o seu cliente assumindo para o juiz na audiência de instrução, que ele não leu o contrato no momento da assinatura, praticamente invalidando toda a inicial e o trabalho do advogado.

 

o senhor leu o contrato?

 

A Judicialização de contratos não lidos

 

Não faz muito tempo, a preocupação era tão somente com as letras menores, ali bem tímidas contidas no final do contrato. Se antes, já não liam as pequenas letras, hoje não se lê nem o título da contratação.

Isso, por que as pessoas, de maneira geral, acomodaram-se a assinar documentos e firmar obrigações importantes sem conferir os dados básicos, como por exemplo se a proposta que foi ofertada verbalmente pelo vendedor é a mesma que está escrita no documento, a forma de pagamento, os juros incidentes, modalidade do crédito, inclusive se existe alguma outra incumbência atrelada ao compromisso que está sendo firmado e não menos importante, claro, o objeto do contrato: Um empréstimo consignado? Cartão de crédito? Empréstimo pessoal? .

Pois bem,  executando a pauta de audiências de um determinado cliente de contencioso, minhas prepostas e eu nos deparamos com a seguinte situação:

Requerente aposentado (a), contrata empréstimo consignado com instituição financeira e toma como surpresa os posteriores descontos em sua folha de pagamento, bem como a chegada “inesperada” de um cartão de crédito em sua residência.

Alega nos autos não saber de onde veio o referido cartão nem como ele funciona, mas consegue desbloqueá-lo e ainda utilizá-lo, usufruindo do crédito nele disponibilizado.

Na inicial, os seus pedidos são a suspensão liminarmente dos descontos em seus proventos, a declaração da nulidade do débito pela suposta falta do dever de informação, a condenação em dobro das parcelas já debitadas e o que não poderia faltar: aquela condenação em danos morais numa média meramente simbólica de R$10,000 (dez mil reais).

Na contestação, a empresa protocola os documentos relativos à contratação, como o contrato de empréstimo consignado e cartão de crédito, devidamente assinados pelo autor (a), onde autoriza o desconto mensal em seus proventos.

Anexa também folder contendo as informações sobre o recebimento do cartão, instruções para desbloqueio permitida apenas com uso de senha pelo titular, a forma de pagamento e sua utilização, além do extrato apontando o saque do valor creditado, em razão do empréstimo.

Na audiência de conciliação, nenhum acordo é firmado. Marcada nova audiência, na instrução, uma das primeiras perguntas que o magistrado realiza no momento da oitiva do requerente, é:

– O sr (a) leu o contrato?

A parte autora afirma que não leu as cláusulas contratuais e que não sabia que estava contratando um cartão de crédito, mesmo tendo assinado o documento, constante no topo em legras garrafais o título:

“CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO”

Então, prossegue o juiz:

– O sr (a) reconhece essa assinatura?

– SIM, Excelência, reconheço como minha essa assinatura!

O advogado da parte autora nesse momento fica sem graça, se contorce na cadeira, olha pro lado, pra baixo, é quando, comumente, o juiz pergunta se o colega vai prosseguir a ação.

Trata-se de situação complicada, por que nem a parte autora consegue provar que foi supostamente ludibriada, achando que estava contratando um serviço e na verdade foi contratado outro, nem a parte ré pode assumir esse erro, já que todas as provas documentais favorecem o direito da empresa, tampouco o juiz pode acolher os pedidos da inicial sem provas de que houve vício no dever de informação pela empresa.

 

Não ler o contrato antes de assinar é cultural

 

É bem verdade e importante ressaltar, a cultura do brasileiro de uma maneira geral, é a de não ler mesmo os contratos que assina.

Pois quem precisa de dinheiro, precisa rápido e tudo que mais deseja é finalizar a parte burocrática para finalmente ter o dinheiro creditado na conta, o que implica não conferir os termos do contrato de adesão e não verificar atentamente todos os dados, já que esse ato demanda um certo tempo, disposição e não menos importante: Discernimento!

 

Discernimento

 

Capacidade de compreender situações, de separar o certo do errado. Alguém que sabe desenhar o nome, ainda que analfabeto, é sujeito de direitos e possui discernimento.

Para evitar justamente que pessoas sem instrução primária sejam ludibriadas pelos correspondentes bancários, prepostos ou quem quer que esteja representando a empresa no momento da contratação, o Art. 595 do Código Civil Brasileiro traz expressamente o modelo de seguimento para assinatura de contratos quando qualquer das partes não souber ler nem escrever.

Diz lá que o instrumento contratual poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.

Não se pode negar, a palavra poderá contida no dispositivo do artigo acima mencionado, ainda não garante a segurança jurídica necessária para que as duas partes celebrem contrato de plena ciência, já que os requisitos não são obrigatórios, mas facultativos.

Mas vejam a quanta insegurança jurídica estaríamos suscetíveis também, se os juízes de primeiro grau passassem a decidir que assiste razão a parte autora, quando, por exemplo, alegar que não celebrou contrato de cartão de crédito, mas sim de um empréstimo.

Ainda que a empresa comprove que a parte assinou um contrato de cartão de crédito, o juiz se convenceria do contrário com base nas provas que melhor favorecer o seu convencimento, desprezaria as provas produzidas pelo réu e proferiria uma sentença favorável para o requerente, condenando o requerido por má-fé, além do pagamento de danos morais, entre outros ônus indevidos.

Situação gravíssima que ofende especialmente o contraditório e o princípio da imparcialidade do juiz.

 

Agora imaginem, bem aqui no Brasil, se essa moda pega?

 

Para a nossa tranquilidade, os magistrados, pelo menos sergipanos, vêm decidindo acertadamente pela improcedência da ação ao se depararem com esses casos.

Exceto, quando a empresa não apresenta o contrato assinado pelo autor.

Nesse feito, não há como defender a instituição financeira, pois sem a principal prova contrária daquilo que foi alegado na inicial, a mera negação por parte do banco é insuficiente. São casos em que ocorre a condenação.

Casos reais

 

A saber, no processo de número 201940403076, por exemplo, a empresa foi revel por vício de representação, mas ainda obteve uma sentença totalmente procedente, pois a magistrada, ao analisar a prova documental trazida aos autos, verificou que no termo de adesão assinado pelo autor, consta a informação precisa de que se tratava de cartão de crédito consignado e não de empréstimo consignado, bem como a devida autorização para desconto em folha de pagamento.

Não seria, portanto, caso de se anular a contratação, nem se declarar inexistente a dívida, posto que não restou demonstrado a falha no dever de informação.

Já neste outro caso, processo número 201941103121, o réu consegue sentença favorável mesmo sem ter juntado aos autos o contrato do cartão de crédito.

Isso por que na audiência de instrução e julgamento o autor, em seu depoimento pessoal, revelou ter assinado contrato com o requerido, sem que, contudo, tenha feito leitura prévia do instrumento.

Afirmou também ter recebido e utilizado o referido cartão por cerca de duas vezes, além de ter sacado os valores depositados em sua conta.

Dessa forma, o autor não pode alegar falha do dever de informação da instituição financeira com o intuito de se desincumbir do dever de cumprir o acordo celebrado, uma vez que é de sua responsabilidade ler o contrato antes de assiná-lo.

 

Nem tudo precisa ser judicializado

 

Quando nós marcamos uma consulta com o médico, pagamos antecipadamente para falar sobre as nossas queixas, dores e incômodos com o objetivo de nos livrar desses problemas.

O médico vai ouvir com atenção, analisar tudo, passar exames, prescrever remédios, a depender do caso até nos indica praticar yoga, fazer esporte ou simplesmente beber mais água.

Ele não nos encaminha direto para a mesa de cirurgia. Certo?

Parecidamente ocorre no Direito; não tratamos com vidas de maneira direta, mas de tantas outras questões sociais, financeiras, familiares, íntimas que afetam sim diretamente a vida do cliente.

No momento da consulta jurídica, ouve-se tudo com empatia e técnica, filtrando aquilo que juridicamente for relevante.

Porém, é importante sempre deixar o cliente a vontade para expor suas necessidades e objetivos daquela consulta.

Estar atento e deixá-lo falar sobre o problema, é essencial para criar conexão com ele e passar confiança.

Assim, diante da especificidade do caso, conseguiremos analisar se é pertinente judicializar ou resolver administrativamente.

Percebi, pelo menos aqui em Sergipe que existe uma tendência de provocar o judiciário, especialmente o juizado de pequenas causas, com ações que poderiam ser resolvidas de maneira extrajudicial.

Frise-se, não se trata aqui de uma crítica para restringir direitos. Sabemos que o acesso à justiça e o princípio da inafastabilidade da jurisdição são direitos fundamentais garantidos em Constituição Federal.

Não à toa, existe campanha promovida pela OAB/SE pelo fim do “mero aborrecimento” e compactuo do mesmo entendimento.

O ato ilícito deve ser punido com dano moral, quando, porém, restar demonstrado e comprovado.

Inclusive, o Tribunal de Sergipe conquistou o título de 2º colocado em celeridade de processos no ano de 2019, conforme dados divulgados pelo CNJ no Relatório Justiça em Números, perdendo apenas para o Tribunal de Roraima.

Temos também o selo de qualidade do CNJ de melhor Tribunal de Justiça Estadual do Brasil, o que ratifica a excelente atuação do judiciário na resolução de conflitos, independente da complexidade.

Feitas as considerações acima, retomo o assunto da consulta jurídica para sustentar a ideia de que nem todas as questões jurídicas são necessariamente judiciáveis.

Quando realizamos a consulta, não precisamos encaminhar o cliente direto para a mesa de audiência.

No entanto, em se tratando de natos resolvedores de problemas, podemos aceitar o caso e tratá-lo administrativamente com um custo menor para o cliente.

Fazendo dessa forma, vamos economizar tempo, deixar o cliente satisfeito e ainda lucrar honorários normalmente.

Assim sendo, em atendimento a cliente que afirma ter contratado um empréstimo consignado e não um cartão de crédito, o “exame” que os advogados devem inicialmente solicitar é a segunda via desse contrato.

De igual maneira, alguém que diz ao advogado que jamais assinou contrato com instituição financeira, deverá o profissional peticionar ao banco, solicitar informações sobre a existência ou não de contrato, eventual débito atualizado, contas ou serviços em nome do cliente ou ir pessoalmente, com procuração especifica em mãos para ter acesso a essas informações, a fim de realizar análise mais concreta do caso.

 

Confiança é importante

 

Não estou afirmando que o advogado não deve confiar no cliente.

Mas sim, que é plenamente válido e interessante ter o cuidado de verificar e validar toda informação narrada e colhida.

Isso vai servir de subsídio, evitando surpresas desagradáveis durante o trâmite processual.

Ainda em atenção aos exemplos acima mencionados, se, após analisar as provas, o advogado constatar a existência de termo de adesão de cartão de crédito assinado pelo seu cliente, autorizando o débito automático em seus proventos, dificilmente decidirá ingressar em juízo pleiteando dano moral de R$10,000 reais.

Tampouco se constatar, após devolutiva do banco, que existe contrato assinado e a assinatura é do cliente, dificilmente ajuizará uma ação.

Pedirá tão somente o cancelamento do contrato junto ao banco, tendo que arcar com liquidação nele previsto ou até mesmo firmará um acordo consensual que melhor atenda às necessidades do seu cliente.

Por óbvio, nada disso se aplica se o cliente não reconhecer a assinatura contida no contrato, motivo pelo qual a ação declaratória de nulidade cumulada com danos morais será mais que necessária, mas urgente!

Pois o risco de fraude é real, devendo ser ajuizada através do rito ordinário, em razão da imprescindibilidade de perícia grafotécnica.

Por fim, é sobre a colhida dos subsídios corretos e atenção durante a análise das provas, porque não haverá perdão pela desatenção do cliente que não leu o contrato, exceto nos casos de coação, o que não se discute no presente artigo.

 

A responsabilidade contratual do correspondente bancário/preposto

 

Certo dia, em conversa com um colega advogado, na antessala enquanto aguardávamos o pregão da nossa audiência, tratamos exatamente sobre o tema aqui exposto.

Então decidi abrir este tópico para explorar a ideia debatida.

Comentávamos que uma forma de impedir que os correspondentes bancários utilizassem de má-fé no momento de abordar e negociar com pessoas iletradas, seria justamente vinculá-los aos contratos.Dessa forma, eles seriam obrigados a assinar juntamente com o cliente ou pelo menos identificá-los na qualificação, a fim de que também respondam objetiva e solidariamente, por eventual dano causado.

O que seria um desafio, pois sabemos que os contratos de adesão utilizados por esses prepostos já estão prontos e são unilaterais; por esse motivo, o cliente só assina se concordar com as cláusulas previstas, sem possibilidade de alteração naquele momento.

O correspondente bancário é um estabelecimento ou outra pessoa jurídica que pode atender clientes em nome de um determinado banco, oferecendo serviços específicos e ganhando comissões por isso.

 

Sem vendas sem comissão

 

Partindo deste fato, o correspondente se mantém basicamente oferecendo crédito aos seus clientes e do ganho da comissão do banco em cima do cumprimento das metas.

Assim, a necessidade de cumprir a meta mensal para conquistar a comissão, se torna prioridade para o dono do estabelecimento, que instiga os funcionários a venderem os serviços do banco “a qualquer custo”.

É aqui é onde mora o perigo!

Sem fiscalização e acompanhamento, não tem como saber quem tratou com o cliente e ofereceu os serviços para ele.

Explico: o cliente analfabeto que desenha o seu nome no contrato, efetivamente o assinou.

Assim, subentende-se que estava ciente dos termos contratuais, mas em verdade não estava por que provavelmente ele não foi esclarecido pelo vendedor sobre a modalidade da contratação, forma de pagamento e tudo aquilo que for pertinente ao contrato.

Mas como podemos saber quem estava por trás dessa “má contratação” se não há identificação do correspondente no instrumento contratual?

No processo, o autor afirma que não foi informado sobre a modalidade do crédito contratado.

Por outro lado o banco comprova que o cliente assinou o contrato e o juiz vai julgar conforme as provas produzidas.

O banco, quando condenado, não poderá nem ajuizar uma ação regressiva em face do correspondente de má fé, pelo simples fato de não conseguir identificá-lo.

É uma excelente reflexão a se fazer, em atenção a este tema.

 

Conclusão

 

Por todo acima exposto, conclui-se que as instituições financeiras carregam parcela de culpa quando a contratação entre cliente e vendedor é problemática.

Dentre alguns motivos, por não tomarem as medidas cabíveis de fiscalização dos seus prepostos na atuação como correspondente bancário, dando margem a contratações viciadas.

Por outro lado, não se pode despejar toda obrigação nos bancos.

O mesmo dever de informação que tem a instituição financeira, tem também o cliente de ler os contratos que assina.

 


Mirena. M Ribeiro
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Estácio de Sá
Advogada Correspondente no Estado de Sergipe
Pós Graduanda em Direito Público

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